Guiné-Bissau entre promessas e suspeitas: Junta militar diz querer pôr fim à imagem de “narcoestado

Novos líderes prometem “tolerância zero” ao tráfico de droga, mas especialistas e ativistas duvidam da capacidade — e da vontade — da junta em enfrentar um sistema político há décadas financiado pela cocaína.

Luta da Guiné-Bissau para combater a imagem de “narcoestado”

A junta militar que assumiu o poder na Guiné-Bissau em 26 de novembro colocou a luta contra o narcotráfico no centro do seu discurso político. Ao tomar posse, o Presidente de transição, general Horta Inta-A, afirmou que o combate à corrupção e ao tráfico de droga será a “principal prioridade”, defendendo uma política de tolerância zero.
Mas, apesar das palavras firmes, permanece a dúvida: a junta tem realmente condições — ou interesse — em enfrentar um sistema profundamente infiltrado pelo crime transnacional?

Eleições marcadas por dinheiro suspeito

Há anos a Guiné-Bissau é vista como um dos principais corredores de droga da América do Sul para a Europa. No entanto, a situação deteriorou-se ainda mais nos últimos anos. Nas últimas eleições, chamou atenção a forma luxuosa como muitos candidatos financiaram as suas campanhas, apesar de declararem recursos escassos.

À DW, Lucia Bird, diretora do Observatório da África Ocidental da Global Initiative Against Transnational Crime (GI-TOC), confirmou que o dinheiro da cocaína tem financiado diversas campanhas eleitorais, incluindo as mais recentes.

“Traficantes internacionais apoiaram vários candidatos. Os pagamentos são feitos por guineenses ligados às redes de tráfico, mas o dinheiro vem sempre da cocaína. E em troca há proteção”, explicou Bird.

Críticas ao antigo governo e desconfiança sobre a junta

O ativista social e coordenador da Frente Popular, Armando Lona, aponta diretamente para o governo deposto.
“O regime de Umaro Sissoco Embaló reforçou o crime organizado, incluindo o tráfico de droga”, afirmou. “O poder que agora tenta substituí-lo continua sob sua influência e não tem independência nem preparação para combater este fenómeno.”

Segundo Lona, a narrativa anticorrupção da junta militar não passa de uma tentativa de melhorar a imagem internacional, sem intenção real de romper com as redes que historicamente alimentam o poder político no país.

Um investigador sénior, que preferiu manter anonimato, reforça essa visão: o cenário atual seria apenas um retorno aos velhos padrões, em que a disputa política se mistura com o controle das rotas de tráfico.

“As agências internacionais sabem muito bem quem combate realmente — e quem protege — o tráfico de droga”, concluiu Lona.

Um sistema difícil de desmontar

Apesar das críticas, Lucia Bird mantém uma postura mais cautelosa.

“É cedo para avaliar se o novo governo militar agirá de forma diferente do anterior. O discurso contra o tráfico é frequentemente usado para obter legitimidade e apoio internacional”, afirma.

A fragilidade do controlo territorial agrava a situação. A costa extensa, o arquipélago dos Bijagós, e o espaço aéreo mal monitorizado criam condições perfeitas para o trânsito clandestino de cocaína.

Segundo a GI-TOC, entre duas a três toneladas de cocaína passam pela Guiné-Bissau todos os meses, rumo à Europa — um fluxo que pode atingir um valor mensal de 210 milhões de euros, ultrapassando todo o orçamento anual do país.

Promessas ou mudança real?

A junta militar promete libertar a Guiné-Bissau da influência dos cartéis. Entretanto, especialistas alertam que o combate ao narcotráfico exige independência política, reformas estruturais e cooperação internacional — fatores que ainda não se vêem com clareza no novo regime.

Enquanto isso, o país continua preso entre promessas de renovação e um sistema político profundamente marcado pelo dinheiro da cocaína, que insiste em sobreviver a qualquer mudança de poder.

Redação: Betegb

Fonte: DW

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